"É muito importante desempenhar um papel ativo no processo de desenvolvimento de novas soluções terapêuticas"

"É muito importante desempenhar um papel ativo no processo de desenvolvimento de novas soluções terapêuticas"

"É muito importante desempenhar um papel ativo no processo de desenvolvimento de novas soluções terapêuticas"

Entrevista com Vitor Tedim Cruz, doutorado em Neurologia, professor e investigador no Instituto De Saúde Pública Da Universidade Do Porto

Junho 12, 2019
Vitor Tedim Cruz
Fotografia: Esfera das Ideias 2014, em ISPUP.pt

A Doença de Alzheimer é um dos tipos de demência, quais as principais preocupações nesta área para os doentes e familiares?

As preocupações dos doentes e familiares nem sempre coincidem com as dos médicos, dos sistemas de saúde ou mesmo dos investigadores. O que me apercebo na prática clínica é que as preocupações são cada vez mais dirigidas ao diagnóstico precoce e correto. Saber exatamente se existe uma doença neurodegenerativa em curso ou não, saber mais sobre o prognóstico e o ritmo esperado de declínio de capacidades, saber como podem influenciar o curso da doença. No fundo os doentes e famílias mais organizados procuram informação concreta que lhes permita fundamentar a tomada de decisões pessoais e planear a vida.

Devemos estar alerta para alguns sintomas que potencialmente possam indicar o desenvolvimento de demência ou doença de Alzheimer? Há mecanismos de prevenção?

No âmbito da prevenção: cada cidadão deve estar alerta para todas as características individuais que o aproximam ou afastam de um futuro diagnóstico de demência. Sabemos, hoje, que a acumulação de fatores de risco vasculares produz um enorme efeito na antecipação do diagnóstico de doença de Alzheimer. Podem explicar 35% de todos os novos diagnósticos realizados anualmente em Portugal.

É muito importante monitorizar os sintomas e sinais que possam traduzir o início de uma demência. Mesmo não existindo um tratamento dirigido à etiologia existem múltiplas intervenções farmacológicas e não farmacológicas que permitem reduzir o ritmo de declínio e lidar com os riscos associados à perda progressiva de capacidades cognitivas relevantes.

Os familiares dos doentes de Alzheimer procuram-no para avaliar o risco de desenvolver a doença? Quais as hipóteses apresentadas?

Essa é outra tendência crescente. Durante anos repetimos vezes sem conta que a doença era predominantemente esporádica, não sabendo nós porque surgia numas pessoas e não em noutras. Hoje em dia já não podemos dizer isso. Mesmo a interpretação de fenótipos clínicos e cursos evolutivos começa a estar dependente do conhecimento de certos genes e polimorfismos genéticos.

À semelhança do que já vem acontecendo com outras doenças crónicas, como a diabetes e a doença osteoarticular degenerativa, por exemplo, os cidadãos sabem que as doenças neurológicas crónicas e degenerativas também podem ter um contributo hereditário. Procuram percebê-lo e querem saber como lidar com isso. Procuram sobretudo saber a partir de que idade devem estar atentos, quando devem revisitar este assunto no futuro, que fontes de informação devem consultar.

Sendo a Doença de Alzheimer uma das várias formas de demência e tendo poucas alternativas terapêuticas disponíveis no mercado, qual a abordagem que faz aos familiares para lhes apresentar uma alternativa de um ensaio clínico?

A filosofia que existe no Centro de Ensaios Clínicos da ULS de Matosinhos, e nomeadamente no Serviço de Neurologia, é conseguir disponibilizar à população o acesso aos principais ensaios clínicos na área das doenças neurodegenerativas, sempre nas melhores condições de monitorização e segurança. Isto é tanto mais importante porque no âmbito da neurologia existem muitas doenças crónicas, degenerativas e incuráveis, na área da cognição, doenças neuromusculares, inflamatórias, vasculares. Quando um doente e uma família têm de enfrentar um diagnóstico destes, e conviver com uma doença deste tipo, é importante que existam disponíveis no seio do SNS as principais alternativas no âmbito da investigação clínica. Depois as famílias e os doentes tomam as suas decisões e optam por participar ou não em função das suas convicções. Mas o facto de existir essa opção disponível e próximo do local onde habitam é determinante para a tranquilidade e confiança no SNS.

Assim, após um novo diagnóstico em consulta é quase sempre abordada a possibilidade de participar em ensaios clínicos. Dentro dessa filosofia também é comum contactarmos outros centros vizinhos e referenciarmos doentes, ou recebermos referenciações nesse âmbito.

Qual o impacto de ter disponível uma medicação que possa ‘retardar’ o aparecimento da Doença de Alzheimer?

Eu diria que já existe alguma “medicação” com essa capacidade. Quando corrigimos o hipo ou o hipertiroidismo, quando controlamos a nossa tensão arterial ou dislipidemias graves, ou praticamos exercício físico e exercitamos o cérebro estamos a fazer isso mesmo, a retardar o aparecimento da doença de Alzheimer.

Quando passarmos a ter disponível uma medicação que seja capaz de influenciar, pelo menos, um dos diversos mecanismos, através dos quais a doença produz os seus efeitos no cérebro humano, vão existir mudanças dramáticas. Será necessário passar a confirmar o mecanismo em curso e identificá-lo em fases muito precoces. Estes dois aspetos implicam desde logo a resolução de enormes problemas no itinerário clínico dos doentes em fase precoce ou pré-clínica.

A participação em ensaios clínicos permite-nos desde logo perceber em que sentido vamos ter de adaptar a organização dos serviços, de modo a lidar com o conhecimento que vai sendo produzido e saber como implementar as novas soluções para que os cidadãos e famílias de facto beneficiem delas.

Será, também, importante garantir que uma nova solução que surja não desleixe todo o esforço no âmbito da prevenção e controlo dos fatores de risco para doença de Alzheimer ou corremos o risco de não obter os resultados esperados junto da população para que trabalhamos.

Como reage um doente quando lhe propõe fazer parte de um ensaio clínico e de que forma o motiva a participar?

A população da área de referência do Serviço de Neurologia da ULS Matosinhos corresponde a 320.000 habitantes dos conselhos de Matosinhos, Vila do Conde e Póvoa de Varzim. Em algumas freguesias, a percentagem de licenciados é superior a 25%, o que faz com que em quase todas as famílias exista alguém mais instruído com quem tiram dúvidas e discutem os problemas de saúde. Habitualmente gostam de discutir o consentimento informado em família e perguntam também muitas vezes ao seu médico de família se devem ou não participar.

A motivação final resulta quase sempre de perspetivas individuais do doente, ponderadas pela disponibilidade da família para o acompanhar no processo e também a opinião independente do seu médico de família.

O nosso esforço passa por disponibilizar o acesso ao ensaio clínico e esclarecer todas as dúvidas que surgem. Por vezes conversamos com familiares e médicos, com quem o doente já tem uma relação de longa data, de modo a transmitirmos informação útil. A motivação para participar é um processo muito individual.

Uma área onde nos concentramos, também, é em garantir que o esforço de participação num ensaio clínico por parte dos doentes e familiares é correspondido pelo Centro de Ensaios. Procuramos agilizar horários e rotinas de modo a que a interferência nas rotinas familiares não seja motivo para desistência. Mais uma vez aqui, no âmbito das doenças neurodegenerativas os ensaios clínicos são habitualmente mais prolongados e obrigam a uma atenção maior.

Quais são as motivações de um médico em participar em investigação clínica?

Do meu ponto de vista pessoal, numa área do conhecimento tão exigente como é a neurologia, é crucial participar no processo de desenvolvimento de novos fármacos. Ficamos a conhecer profundamente os seus mecanismos de ação, dosagem, efeitos adversos mais frequentes, e que características dos doentes se associam a um maior ou menor benefício. No fundo, ficamos mais preparados para saber como os implementar com sucesso num futuro próximo ou porque razão não funcionaram e foi necessário evoluir para soluções alternativas.

É muito importante desempenhar um papel ativo no processo de desenvolvimento de novas soluções terapêuticas.

No caso de um ensaio clínico com participantes saudáveis, como é o caso do ensaio clínico Generation 2 em que se pretende estudar uma medicação que potencialmente poderá atrasar o aparecimento ou desenvolvimento da doença de Alzheimer, qual poderá ser, na sua opinião, a motivação para participar no ensaio clínico?

A motivação principal dos participantes parece-me ter duas fases. Numa primeira fase está relacionada com o facto de conhecerem alguém próximo com o diagnóstico de doença de Alzheimer e quererem colaborar com o processo de procura de uma solução terapêutica. É sobretudo a vontade de ajudar na luta contra a doença a base da motivação. Numa segunda fase, quando tomam conhecimento que podem ter um risco pessoal mais elevado de vir a ter a doença a motivação é muito semelhante à que existe nos doentes que participam em ensaios clínicos dirigidos a fases precoces da doença.

Já existem também cidadãos que conhecem os critérios de inclusão no ensaio Generation 2 e que nos procuram porque sabem ser portadores de um polimorfismo genético específico.

Quais as principais dificuldades de recrutar participantes nesta área e quais os potenciais desafios?

Cada vez mais a população em geral está alerta e disponível para saber mais sobre a doença de Alzheimer. É cada vez com maior naturalidade que discutem os fatores de risco para a doença, os seus critérios de diagnóstico e diferente gravidade, os ensaios clínicos em curso. Estão habitualmente muito recetivas a saber nova informação e analisar a possibilidade de participar num estudo deste tipo. Se adicionalmente tiverem tido contacto próximo com um familiar com doença de Alzheimer e tiverem vivenciado as dificuldades porque passam os doentes e familiares a sensibilidade é enorme.

A dificuldade maior está relacionada com a fase inicial de seleção de participantes que implica muitas vindas ao Centro de Ensaios e realização de exames. É também necessário um esforço de organização logística enorme para tornar fluídos os procedimentos que permitem a determinação e comunicação formal do genótipo ApoE dos participantes saudáveis. Só uma equipa muito motivada e disponível permite lidar com a necessidade de recrutar um elevado número de cidadãos saudáveis para identificar os poucos onde se verificam todos os critérios de inclusão que justificam a exposição ao princípio ativo. Em outros centros europeus este processo específico obedece a requisitos distintos e talvez seja possível uniformizar procedimentos em futuros ensaios semelhantes.

Quais os principais problemas/dificuldades que podem dificultar a investigação clínica nesta área em Portugal? O que poderia ser feito para potenciar esta área?

Como em outras áreas, o país é heterogéneo. Existem locais onde já se faz muito bem e onde o nível de organização é já muito elevado. O que falta muitas vezes fazer é colaborar e disseminar boas práticas. Deve ser promovida a articulação entre serviços e centros e valorizada uma cultura de mérito e resultados.

Os ensaios em fases precoces de doenças degenerativas colocam dificuldades adicionais com que ainda não nos tínhamos confrontado antes. Neste âmbito, o contexto em que trabalhamos, uma Unidade Local de Saúde, favorece muitas das adaptações necessárias desde que exista a visão transformadora.

É também necessário perceber que o tempo dedicado a esta atividade tem de ser valorizado de forma digna e de acordo com o nível de exigência, responsabilidade e escrutínio externo que tem.

Quais os principais desafios que a área da investigação lhe coloca diariamente?

O desafio principal está relacionado com a alocação de tempo à atividade de investigador. Quer como colaborador em ensaios clínicos, quer no âmbito dos meus próprios projetos de investigação e desenvolvimento tecnológico.

O desafio principal nesta área passa por concretizar projetos e perseguir questões relevantes no âmbito da saúde pública. Na área das neurociências em particular dedicamo-nos, em parceria com o Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, a perceber como evoluem os défices cognitivos na comunidade e em múltiplas patologias, de modo a melhorar o percurso dos doentes e os custos associados ao diagnóstico de doenças e condições muito frequentes.

Em conjunto, penso que poderemos melhorar a forma como se identificam e monitorizam doentes com doenças neurodegenerativas no seio da comunidade a que pertencem e tornar o nosso ecossistema um dos locais ideais para a investigação de novas soluções terapêuticas.


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